sábado, 27 de agosto de 2011

Consequências Prólogo

Consequências








Por: Ane Halfen | Beta: Raphinha Cullen




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Chicago – 1936



Eu caminhava com passos rápidos pelas calçadas sujas e estreitas do centro de Chicago. A noite fria fazia as ruas já vazias pelo avançado da hora, ficar mais vazias ainda. Poucas pessoas encolhidas em seus casacos passavam pelos cantos escuros da calçada. Eu estava indo para casa. Já estava sem esperanças de conseguir algum programa, naquela noite. As poucas moedas que eu conseguira com um encontro sujo com um oficial bêbado, teriam que servir para alimentar minha família. Elas só não eram o suficiente para os remédios para minha mãe adoentada. Empurrei mais as mãos para dentro dos bolsos, mas o casaco te tecido fino e gasto, já não me aqueciam o suficiente. É, eu iria para casa.



Eu atravessava a rua, quase correndo quando uma voz arrastada me chamou:



- Hey! Gracinha! Aonde vai com tanta pressa? – parei. Quem sabe eu conseguiria o dinheiro para os remédios. Só mais esse. Só mais esse. Repetia mentalmente. Poucos segundos e estou livre.



Eu já não era mais dona do meu corpo há muito tempo. Desde que o sumiço de meu pai e a posterior miséria que isso causara, me empurrara para a prostituição. Eu só ficava ali, parada, esperando que eles se satisfizessem em mim. Normalmente me lembrava da minha infância feliz, me deixando transportar para aquela época, onde eu era apenas , estudante prospera que passava os dias entre leituras, brincadeiras com meus seis irmãos mais novos e sonhos com príncipes encantados.



Só mais uma vez. repeti novamente enquanto me aproximava do homem gordo de meia idade. Ele sorria com seus dentes amarelos.



- São 50 cents! – disse rapidamente, trancando a respiração quando o cheiro de bebida e urina que vinham do homem me acertou.



- Pago 30! – ele disse chegando mais perto e passando a mão no meu rosto. Apertei as poucas moedas no meu bolso, eu precisava do dinheiro para os remédios. Caminhei para dentro do beco escuro e úmido com o velho no meu encalço. Em poucos segundos eu estaria indo novamente para casa.



Virei o rosto para o lado o máximo que consegui, para evitar o mau hálito do homem. Ele me encostou na parede áspera sem pena nem delicadeza, fazendo com que minhas costas doessem. Passou as mãos gordas pelas minhas pernas levantando o meu vestido. “Você é tão gostosa.” Ele disse ofegante com o esforço.



Me lembrei da primeira vez que Liane, minha irmã do meio, deu seus primeiros passos. Mamãe e papai estavam radiantes. Me lembrei de quando o bebê, meu irmãozinho mais novo, nasceu. Eu que fizera o parto. Papai já havia desaparecido, ele nem ficou sabendo que mamãe estava grávida. O bebê ainda nem havia sido batizado, já que mamãe adoeceu logo após. Eu cuidava dos dois e dos meus outros seis irmãos.



De repente o homem gritou, mas não foi um grito esperado e sim de pavor. Olhei para ele sem entender o que havia acontecido. Ele me olhou com olhos aterrorizados e foi arrancado de cima de mim e atirado em um canto. Um vulto passou por mim. Me levantei com dificuldades por causa das minhas pernas bambas. O vulto se debruçou sobre o homem. Eu estava aterrorizada também, mas a única saída era ao lado da aparição.



Vagarosamente o vulto se levantou e se virou para mim. O pânico que eu sentia se esvaiu. Eu não acreditava no que estava vendo. Um anjo se materializou em minha frente. Ele era o homem mais lindo que eu já havia visto na vida. Seu perfume me embriagava.



Sem pensar dei um passo em sua direção. Seus olhos vermelhos me chamavam. Sorri. O anjo respondeu meu sorriso. Ele estendeu a mão. Rapidamente segurou a minha nuca, me puxando para ele. Doeu muito, mas eu não me importei, porque finalmente eu tinha achado meu salvador. Aquele que me tiraria todo o sofrimento. O anjo encostou seus lábios no meu pescoço. E eu me entreguei. Senti minha pele sendo rasgada e todo o calor se esvaindo. Eu já não sentia mais nada, só a paz.



Senti o chão frio embaixo do meu corpo. Todo meu corpo estava congelado. Só o calor do meu coração me aquecia. Me segurei a aquele calor que foi aumentando. Se tornando mais real cada vez mais quente. Fervendo. Queimando. Quente. Muito Quente.



Isso nunca poderia ser o céu. Isso era o inferno. Então o meu anjo não era um anjo, era um demônio. Me arrastei até um bueiro, me atirando lá dentro. A água que corria não era o suficiente para apagar o fogo que me queimava.



O calor chegou ao seu ponto máximo e começou a se espalhar pelo meu corpo. Todo meu corpo ardia e queimava. Eu já havia pensado na morte, mas nunca dessa maneira. A única coisa que a tornava suportável, era a certeza de que iria passar. Afinal eu não queimaria pela eternidade, queimaria?



O fogo se tornou mais forte. E eu implorava para morrer logo. Nada no mundo me parecia pior que isso. Nenhum castigo era pior que esse.



Eu não sabia quanto tempo aquilo estava durando, mas para mim pareciam séculos. Minha audição parecia melhorar a cada segundo, e eu podia ouvir toda a movimentação na superfície da cidade. As carroças passando nas ruas, os poucos carros. As pessoas na calçada.



De repente o fogo sumiu dos meus dedos, diminuindo o ardor à medida que o fogo se extinguia. A dor retrocedia, liberando minhas pernas e braços. Aos poucos o fogo se concentrou só no meu coração, até que ele o consumiu por completo. O fogo presente somente em minha garganta, ardendo queimando.



Abri os olhos!



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